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Por Marta Strambi

In folheto dobrado da individual Marta Strambi,

Galeria de Arte da Unicamp, Campinas, 2007

 

você sempre se muda para o contrário

 

Por 17 anos minha produção vem acoplando assuntos da atualidade. Introduções sobre a alteridade, a identidade e a morte – o colapso que envolve a humanidade. A arte é uma forma de aclamação à vida, onde se busca dar ao real o avesso. Muda-se de ideia, vira-se ao reverso procurando uma saída para que o destino esmaeça.

Em 1990 comecei um projeto extensivo que descreve os homens ligados às proposições de libertação, situações de prisões do corpo físico, do corpo emocional e da alma. Um edifício que envolve peles, pés, pernas, mãos de borracha, chumbo e silicone.

Hoje, o foco de minha produção situa-se nos aspectos psicológicos da experiência física. Nessa exposição agrego novos meios, vidros derretidos e aguadas, transparentes e em outras situações opacas. Isso porque sinto que descrevo com elas um líquido, conscientemente desembocado e encerrado a uma estrutura confinada. Mãos e dedos aguados agem como uma segunda pele, aquela da aparência pálida, da cor retirada há pouco, suave e decidida.

No subtítulo dessa produção fica gravada uma água no papel, guardada com suavidade e testemunho. São lavagens delicadas abatidas pelo tempo apresado em suspensão. Pedaços de partes do corpo vividos, experimentados, bem friccionados. Em outro momento sob copos se preservam, sobre a cama de gelo da congela.

As linhas, outro elemento agregado a esses desenhos, depositam-se na conservação da memoria, formando-se sob vidros, livres de artimanhas e armadilhas. Também mostram mechas de cabelo escorrido, capturadas e preservadas que nos permitem uma direção às conexões emocionais, pelo apego de algo essencial à beleza, à estética. Esse segundo cabelo é um elemento disjuntivo entre dimensões exterior e interior, é o que nos resta como possibilidade de apelo. Esboços ternos de um grafite armazenado.

Este trabalho desenvolve-se através da duração e preservação da vida no exercício do cotidiano, da observação e percepção desse acesso, na resignação e vagareza, como fios que se deslocam da cabeça, um após o outro e assim por diante.

 

outubro de 2007