Por Marta Strambi
In folheto dobrado da individual, Valu Oria Galeria de Arte, São Paulo, 2007
Redes Invisíveis
“Vulto” introduz. É como se às voltas com a potência fizéssemos uma ronda antes de instalarmos. Percorro o movimento que antecede o desejo e a vontade: aquele fogo oculto que impulsiona a criação, que atribui ao repouso a ação e à função a permanência. Às voltas com meu próprio vulto, mergulho nos meta-esquemas dos signos. Dissolvo então aquele sorriso fake com os braços majorados como quem anda sobre ovos. Curupiro meu sorriso como um ente fantástico, cujos pés mantém ainda o calcanhar para diante e os dedos para trás, onde a crendice do povo ainda habita. Tomo forma de mulher unípede, que anda aos saltos, como criança de cabeça grandíssima, como homem agigantado, montado num porco-do-mato. O problema do vulto é que ele traz a imagem que povoa.
Caminhando numa rede transparente, na tentativa de moldar o invisível, onde há a suspensão e o declínio de uma estabilidade sobre a qual se anseia e que, no entanto, não se tem, vou desenvolvendo meus objetos, imagens e instalações. O sentimento de cômoda sustentação que ampara, ao revés, é destituído, quando sacodem as notícias de agressões mutiladoras e de catástrofes que podem ser previstas nas páginas de uma história cuja ocorrência nos engole cotidianamente.
Na sua condição, o artista constitui uma imensa rede de conexões de toda a ordem sob essa malha invisível, seu lugar, o lugar da arte, antes previsto com certa dose de mistério hoje se perde numa grande confusão de desígnios. Uma palavra construída com fogo, um calor que derrete os mais simples objetos. Não é o ambiente desolador e silencioso de momento pós-catástrofe que me interessa, mas uma atmosfera sensível, delicada e impregnada de movimentos, quando a presença do tempo é transmutada em simples presença de um sentimento de pertença original.
Poderia eu me aventurar no campo do devaneio como Bachelard, que tanto rodopiou o espaço que se instalou em sonhos como os de Supervielle, nas formas, onde a alma se traduz em espírito. Aquele mesmo espírito que faz a forma, como em Pareyson, ou onde Didi-Huberman se volta a ver, ou ainda, o que Frank Stella acredita ver quando é apenas outro modo de falar. Penso que a essência não é assim tão abstrata que não se possa saboreá-la. Nos morangos silvestres de Supervielle repousa o cheiro do deslize que os bolsos furados não conseguiram carregar. Ou ainda em Goethe que tentou reunir-se à natureza pela inspiração poética dizendo em Cumulus que podemos temer as nuvens, mas em baixo está o tremor. Não há o que temer na altura, além das nuvens, mas, sob essa mesura o que vem do chão ameaça converter em silêncio o barulho dos rios.
Apresento nessa exposição onde estive e o que percorri, nessa difícil tarefa do não querer ver para não tocar demais nas densidades da carne. Aqui, onde o nervo se estende com muita dor, talvez consiga prever o vir-a-ser.
agosto de 2007