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Por Marta Strambi

In folheto dobrado da individual,

Valu Oria Galeria de Arte, São Paulo, 2002

 

dúvida: coisa que não se forma

forma: acomodar-se-á

 

… é como que ao unir gotas no mármore fosse definindo percursos, sentenças, ou mesmo, dúvidas. O pensamento escultórico se lança como vácuo, agrega massas, amalgama matérias, é como uma rachadura que se abre a meio caminho. O desejo se acomoda, o de se depositar como forma, em superfícies firmes, no entanto, se traduz como impossibilidade, num universo sociocultural que se revela movediço. Já não existem certezas, apenas proposições. O receio é que “aquele líquido, já velho, possa descer pela minha garganta”. Meio à gipsita, mãos atadas. Na expansão do gesto, o silício expandido, o silicone, pele contemporânea… meio-duro, meio-mole.

Marcel Duchamp, ao revelar que procurava “[…] antes uma ideia que uma forma visual” já se precipitava nessa areia movediça. Jean Arp, ao propor a integração do homem como um ser da natureza, na ideia da arte como um “[…] fruto da planta” e Claes Oldenburg, que inchava o mundo, dizia que “[…] o olho revela a verdade”, que criar é “[…] traduzir o olho em dedos”: pretendiam um outro modo que não a mimese ou o racionalismo artificial e formalista. De maneira diversa, ambos foram prospectivos ao revelar em suas proposições, a negação da forma-pela-forma.

Essa exposição é resultado dessas tensões. Fazer, não é só um ato de transformar a matéria, mas dar a ela a madureza das experiências vividas. Hoje penso que a arte não se engendra a partir de rupturas ou de grandes linhas revolucionárias, ao contrário, ela se alimenta de nossas falas, nossas acumulações, nós que somos sujeitos aos “abalos sísmicos”, no jogo permanente das acomodações da matéria.

Não há contradição maior que apontar para uma sorte que tem as unhas feitas de chumbo, sendo assim, determinada para aspectos da densidade e do peso venenoso que o chumbo simboliza, e que está divorciada de sua condição de inteiro. O silicone funciona como uma “prótese da escultura”, sua superfície não reflete luz como o mármore, com ele o procedimento não é o de esculpir a forma, mas a preencher, preencher o “vazio”. “A sorte” trata de um jogo de “dois ou um”, portanto há o que se decodificar do azar através da sorte. Saber apostar é arriscar nas pistas de leitura, num código indicativo dos amálgamas da matéria com o invisível. Essa mão de punho serrado não mais significa senão o ato de ganhar a vida pelo avesso e se expor a essa fragilidade. O traço marcado – “Destino II” – pela caneta esferográfica azul nas linhas das mãos, trata de um destino frágil, que pode ser apagado pelo tempo. Apresenta-se como um contra-discurso que aponta para uma falência das marcas gravadas pela perenidade, em favor de uma inscrição cultural que não perdura, contrária à tatuagem de outros trabalhos.

Ao abrir as mãos para indicar o destino, ou ao apontar os dedos para evocar “A sorte”, faz-se um movimento na direção do tempo, seja ele um círculo angustiante – das angústias de Zaratustra – seja ele uma linha que se desenvolva progressivamente. Pensar o tempo é se angustiar com ele, assim, nos percebemos frágeis. O “destino” se esbate contra um processo inexorável, oxidante, corrosivo, determinado pelas operações invisíveis do tempo. Tempo que, de uma forma ou de outra, cava buracos nas pedras e retira as coisas dos lugares. Os trabalhos expostos relacionam-se com tempo e espaços, sutilmente perversos, de uma história sem tempo e um destino sem fim.                

outubro de 2002