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Por Agnaldo Farias
In catálogo da exposição coletiva do Prêmio Estímulo 1995
Museu de Arte Contemporânea de Campinas

 

Há nestes trabalhos recentes de Marta Strambi a contemplação e o estudo cuidadoso da natureza das coisas puras. A rigor ela se detém quase exclusivamente sobre o ponto em que o excesso de pureza parece clamar pela presença de um impulso destrutivo, que a vai colhendo desde suas bordas deixando à sua passagem um rastro enodoado. É como se um murmúrio musical que esplende de suas superfícies claras exaltasse sua fragilidade, expondo-as à violência da vida que prossegue ao redor, onde a luz e a calma se misturam com a sombra e o terror.

O emprego do plástico, material asséptico e inorgânico, falar-nos-á de uma pureza fria, obtido por processos químicos despojados de qualquer teor sensível. Entretanto, sua aparência translúcida, o modo como atrai e encasula a luz em seu interior, garante ao material uma semelhança de tecido epitelial, converte-o num campo frágil, suscetível de ser profanado até por um olhar mais rápido. Quanto mais pelo fogo.

De fato é o fogo que a artista elege como instância de destruição da matéria quase transparente, talvez por compreender esse elemento como etapa superior da brancura mesma, como o sol que encontra seu êxtase na aridez dos desertos e nela fabrica suas miragens, ou que se insinua pelos cristais claros do sal condensando-os pela evaporação da água que trazem dentro de si.

O fogo é despejado sobre o plano contínuo e horizontal do plástico abrindo-lhe fissuras e gretas, alterando radicalmente sua topografia, antes nua e praticamente sem caminhos. Agora ela está povoada de cumes negros que contrastam fortemente com seus abismos acesos. Mas há um subproduto ainda mais misterioso do que essa noite que se abate sobre a paisagem clara. Repentinamente as peles de plástico têm potencializadas suas naturezas de corpos, seja pelo modo como seus contornos são modificados abandonando a geometria monótona, seja pelo acréscimo e superposição de peles negras, matéria macerada e corrompida, que lhes são costuradas, ou ainda pelos estranhos apêndices que passam a ostentar. Pelo caminho da destruição emana agora uma nova vida, antes fugidia e secreta. O que num momento era suspensão e vácuo transforma-se em pórtico de vida que se prolifera.

 

março de 1995